O ANO É UMA DANÇA DA DEUSA
Na tradição celta do Arco Atlântico e do Jardim das Hespérides, o ano é uma dança da Deusa, que volta a renascer para iniciar o Seu baile de roda pelo Imbolc. Nesse momento, ela usa uma vara de bétula, ou de oliveira, que recebeu da Anciã do Inverno para, amorosamente, fustigar a terra, acordando as sementes nela lançadas no Outono e no Inverno. À medida que os Seus pés se movem e a Menina rodopia pela paisagem, a terra reverdece e as primeiras flores despontam. Em Avalon, são as Gotas de Neve (SnowDrops), enquanto que no Jardim das Hespérides, as Mimosas inundam a paisagem com a luz da sua cor amarela e a sua fragrância de outra dimensão quando começamos a atingir o meio do Inverno.
A Menina cresce, entretanto, e por Ostara, o Equinócio da Primavera, ela é uma bela donzela de longos cabelos dourados como o Sol. É a Sua dança que, unindo a Terra e o Céu, faz subir a Kundalini do Planeta e a seiva das plantas. Pelas alturas do firmamento, aves de todos os tamanhos e cores giram e volteiam, transportando no bico os materiais de que vão ser feitos os seus ninhos. Ovos aos milhares, como promessas de fertilidade, renovação e abundância, enchem esses magníficos exemplares de arquitectura natural, espalhados agora por secretas ramagens, cavidades seguras, por entre pedras e penedos, quando não na própria terra, abençoados e protegidos pelo manto da Deusa da Primavera e pelo Seu caloroso e amoroso amplexo.
Esta arrebatada dança da Deusa atinge o rubro por Beltane, quando a Senhora de Maio veste o seu trajo mais sensual, vermelho, rosa e da cor de mil flores, revelando-nos a Sua face mais bela, sensual e esplendorosa. Para a Sua dança, a Deusa de Beltane, vibrante de paixão e de desejo, escolhe par, buscando agora outro corpo, abrindo-se, como as flores, a todas as delícias da primavera. Ela é a Senhora dos Prazeres, das Flores, dos Campos, dos Verdes! Aquela que preside à fecundação, à própria Vida na Sua urgência de perpetuar-se.
A dança da Senhora do Sol prolonga-se cada vez até mais tarde e no Solstício de Verão, quando o dia é mais longo, bailamos noite dentro para, de madrugada, nos precipitarmos nas águas refrescantes e purificadoras da Rainha das Profundidades Oceânicas, Senhora do Lago e da Compaixão. A Deusa Sereia, com as Suas criaturas marinhas, salta e avança no seu bailado aquático, convidando-nos a mergulhar mais fundo dentro de nós, para encontrarmos os tesouros escondidos e os resgatarmos, como pérolas de sabedoria que, por vezes, precisam ser limpas do lodo, das toxinas depositadas nas águas profundas do nosso inconsciente. Maria, a Senhora do Mar, convida-nos a abrirmos o coração à compaixão e a deixarmos que as lágrimas deslizem pela nossa face como gotas da chuva caindo do céu, abençoando e vivificando a terra árida do nosso coração.
A dança da Deusa Mãe de Lammas é mais lenta e compassada. O seu ventre pesado, prenhe de vida, seus seios fartos de leite da vida, e o calor tórrido do verão tornam mais lentos os Seus movimentos. Enquanto isso, bailamos nós agora à Deusa em gratidão pela abundância de cereais, de alimento, pela doçura do Seu mel, pelo Seu aconchego, pelo Seu regaço acolhedor, pelo Seu poder em nós de concebermos e de criarmos, seja o que for, com o poder e a bênção da Grande Criadora de tudo o que é.
Já em Mabon, o Equinócio do Outono, a Deusa sonha com o repouso, mas antes, Ela convida-nos a colhermos e a conservarmos para o inverno os últimos frutos e as bagas que adornam o Seu manto de Rainha, Senhora da Cornucópia da Abundância. As folhas secas dão voltas pelos ares, incitando-nos a entrarmos nessa dança do desapego, a que se seguirá a da renovação. A Rainha prepara-se para ceder o Seu lugar à Anciã, feliz com a materialização do que foi sonho e ideia, e que o Seu movimento incessante trouxe até nós, enchendo o nosso coração de confiança e de gratidão.
No Samhain, a foice da Senhora da Boa Morte e do Renascimento, Guardiã da Vida e do Fenecimento, executa a sua dança, ceifando o que resta da vegetação, recolhendo e guardando as sementes que, em seu tempo, serão lançadas de novo à terra. A Senhora recolhe-se agora no interior, na Sua gruta, por onde correm as águas subterrânea, e o que resta da Sua dança é o movimento do Seu braço, mexendo e remexendo o inexaurível caldeirão da Transformação, enquanto a Sua barca atravessa o Letes, o rio da Morte e do Olvido. A desolação é agora o Seu rosto, e o Seu olhar arguto e penetrante convida-nos à quietude, ao silêncio, ao recolhimento e ao cuidado da vida da alma.
Mas, na verdade, a dança da Deusa nunca para, pelo contrário, pelo Yule, o Solstício de Inverno, sem o peso da forma, o Seu recinto de baile é agora mais vasto, incluindo as estrelas e as nebulosas e todo o cosmos. Nesse tempo do sonho, a imaginação saltita de ideia em ideia até encontrar aquela que merece a energia e o foco suficientes para vir a tomar forma. Na Sua natureza, dançam a chuva e o vento, a neve em farrapos e as aves do céu. E enquanto isso, a Moura Tecedeira, que preside ao destino, vai desenlaçando, dobando e preparando os fios com que eternamente tece e entretece a grande teia da Vida.